sexta-feira, 11 de maio de 2012

O filósofo que fala demais.

Falar é a forma mais natural que o ser humano tem de expressar o que sente e traduzir aos seus pares as impressões sobre o mundo à sua volta. Saber ouvir é capacidade de sociabilidade que se desenvolve a partir do convívio em grupo e somente com o estímulo à tolerância e ao debate amadurecido é que se desenvolverá essa característica como forma de expressão humana. A fala é característica exclusiva do ser humano. Cavalos não falam assim como baleias também não o fazem apesar de serem mamíferos como nós. O mundo selvagem não tem uma forma unificada de expressão e a comunicação entre elementos deste nível se resume somente aos integrantes de cada espécie. Ou seja, cavalos desenvolvem comunicação com outros eqüinos, mas não conseguem sucesso ao tentarem se comunicar com lesmas ou caramujos por exemplo.
 Mas, ao contrário os seres humanos são dotados de fala como instrumento que os distingue dos outros animais. Há, no entanto uma espécie singular de filosofia que não se sente à vontade com esta característica humana e em variadas ocasiões desejam o calar a boca não de si mesmos, mas dos outros e se comprazem com o silêncio e o mutismo. Enquanto que em outros instantes, outras ocasiões, falam desbragadamente nas esquinas aos gritos e, no entanto quando prestamos atenção ao que dizem podemos concluir que falam por não terem nada a dizer. Estes são os filósofos do bico calado.
                Quanto menos eles falam mais se passam por geniais e ao contrário, quando prestamos atenção ao que dizem percebemos que na verdade estão se escondendo por detrás de uma fina e delicada camada de saberes superficiais baseados principalmente em conclusões apressadas e sem vinculação com leituras mais aprofundadas ou com a capacidade de aprendizagem daquele que se coloca no lugar de aluno (sem luz própria) e que deseja o conhecimento.
                E então se sentem irritados quando alguém diz alguma coisa que de certa forma os incomoda, pois a fala do outro os apavora e faz despertar nestes filósofos os sentimentos selvagens que trazem recolhidos em suas mentes primatas. Não há como escapar do alcance destes senhores, pois eles estão em todos os lugares, são como praga em lavoura na época da colheita, quanto mais se busca afastar dela mais se contamina. E a ignorância é uma praga que se alia ao preconceito, municiando assim essa filosofia da boca calada, de formas estratégicas de poder para fazer calar todo aquele que queira, mesmo que da forma mais delicada, promover o verdadeiro significado da filosofia.
                A professora Marilena Chauí em seu livro Convite à Filosofia (CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. Ed. Ática. São Paulo. 2000) explica claramente como é que deve ser o filósofo, ou seja, todos aqueles que sentem amor pelo conhecimento, ao explicar o que é a filosofia. Segundo ela a palavra filosofia é grega e composta por outras duas: Philo e Sophia. Philo deriva-se de philia, que significa amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais. Sophia quer dizer sabedoria e dela vem a palavra sophos, sábio. Filosofia significa, portanto, amizade pela sabedoria, amor e respeito pelo saber. Filósofo é então todo aquele que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber. Não é somente aquele que fez bacharelado em filosofia que é filósofo. Todos os que buscam o conhecimento o são de certa forma e teremos, por outro lado então, vários tipos de filósofos, pois existem muitas formas de buscar o saber e de viver o conhecimento. Há filósofos que querem compartilhar o saber e outros que desejam detê-lo para exercer poder, controle sobre os outros.
                Acredita-se que foi o filósofo grego Pitágoras de Samos (sec. V a.C.) que criou a palavra filosofia. Pitágoras teria afirmado que a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.
                Dizia Pitágoras que três tipos de pessoas compareciam aos Jogos Olímpicos (a celebração mais importante da Grécia Antiga): as que iam para comerciar durante os jogos, ali estando apenas para servir aos seus próprios interesses e sem preocupação com as disputas e os torneios; e as que iam para competir, isto é, os atletas e artistas (pois, durante os jogos também havia competições artísticas: dança, poesia, música, teatro); e as que iam para avaliar o desempenho e julgar o valor dos que ali se apresentavam. Esse terceiro tipo de pessoa, dizia Pitágoras, é como o filósofo.
                Com isso, Pitágoras queria dizer que o filósofo não é movido por interesses comerciais: não coloca o saber como propriedade sua, como uma coisa para ser comprada e vendida no mercado; também não é movido pelo desejo de competir- não faz das idéias e dos conhecimentos uma habilidade para vencer competidores ou “atletas intelectuais”; mas é movido pelo desejo de observar, contemplar, julgar e avaliar as coisas, as ações, a vida: em resumo, pelo desejo de saber. A verdade não pertence a ninguém, ela é o que buscamos e que está diante de nós para ser contemplada e vista, se tivermos olhos (do espírito) para vê-la.
                Não sou um pitagórico, até porque Pitágoras não queria discípulos, aliás essa não é uma idéia da filosofia, mas a observação da sociedade em que vivemos, desde o microcosmo de nosso bairro, nosso grupo de estudo, nossa cidade, etc., que forma o todo e que, a analise sem o comprometimento da moral e dos preconceitos individuais e de grupos, se elaborada e construída junto com os elementos que constituem esse grupo, contribuirá para o desenvolvimento da nossa coletividade. Estes são os fins da filosofia.
                Seremos melhores somente se aprendermos a viver em comunidade e coletividade, ao contrario, quando formamos grupos isolados de acordo com idéias, interesses, filosofias, crenças ou preconceitos, construímos barreiras que impedem a evolução histórica, a autonomia do sujeito bloqueando assim sua ação cidadã criando o que se define na sociologia como guetos onde só são aceitos os iguais e todo aquele que pensa de forma diferente ou que age diferente deve ser convertido ou então é afastado, repelido como uma ameaça.
                Isso não é sociedade, mas sim grupelhos que se autodestroem. Essa pode ser uma estratégia política social de governos, de grupos, de religiões que desejam dominar um povo, uma nação, uma sociedade. Primeiro se implanta o medo, onde o outro é visto como uma ameaça que deve ser eliminada, afastada, excluída. Constrói-se assim o denuncismo, quando o acusado já é visto como culpado sem mesmo ter tido tempo ou chance de defesa. Depois o Estado ou o déspota que quer controlar semeia a discórdia e o preconceito, distribuindo favores a determinado grupo e punição a outro ou ainda o desprezo a outra parte da população. Assim está construído o caos social que é uma forma destes governos, destes organismos sociais controlarem o povo e assim obterem lucro e favores, adquirirem poder de manipulação das opiniões, mas o que querem unicamente são o poder e o controle.

Foto: André Kertesz (La lecture in Esztergron, Ungrie,1915) .André Kertész (1894 - 1985) foi um fotógrafo dos mais originais, inventivos e influentes do séc. XX. De origem húngara, mudou-se primeiro para Paris (em 1925) e depois para Nova Iorque (em 1936), onde não conseguiu assegurar imediatamente um posição de sucesso enquanto fotógrafo e só em meados da década de setenta é que o seu trabalho nesta área foi amplamente reconhecido, sendo-lhe reconhecido um lugar na história da fotografia.

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