sexta-feira, 18 de maio de 2012

RABINDRANATH TAGORE (ÇATURANGA) O Tio. 1a. Parte.

Quando encontrei Satish pela primeira vez, pareceu-me que ele todo brilhava como uma constelação, com seus olhos luminosos, seus dedos afilados em chamas, seu rosto radioso de ardente juventude. Fiquei estupefato ao descobrir que, na maioria, os estudantes, seus colegas, o detestavam, pela única razão de ele se assemelhar, antes de tudo, a si mesmo. A melhor proteção para o homem, como para o inseto, é ainda tomar a côr daquilo que o rodeia.
Os estudantes do hotel onde eu morava facilmente descobriram o meu respeito por Satish, Isso, não sei por quê, os perturbava, e não perdiam a ocasião de falar mal dêle diante de mim. Tendes um grão de poeira nos olhos? É melhor não esfregar. As palavras vos magoam? É melhor não responder.
Mas um dia a calúnia contra Satish me pareceu tão grosseira que não pude ficar calado. A dificuldade, porém, é que eu ignorava tudo a respeito de Satish. Havíamos trocado apenas algumas palavras, ao passo que certos estudantes eram seus vizinhos próximos e, outros, seus parentes afastados. Êstes afirmavam com segurança a verdade do que avançavam: e eu, com mais segurança ainda, declarava ser aquilo incrível. Foi então que todos os meus comensais indignados bradaram contra a minha impertinência. Essa noite chorei de contrariedade.
No dia seguinte, entre duas conferências, enquanto Satish lia, estendido a todo comprimento no gramado da praça do colégio, aproximei-me dêle e, sem preâmbulo, balbuciei-lhe minha aflição, mal sabendo o que dizia. Satish fechou o livro e encarou-me. Quem não viu os seus olhos não pode fazer uma idéia do que era o seu olhar!
- Os que me denigrem - disse êle - fazem-no não por amarem a verdade, mas porque gostam de pensar mal de mim. Assim, é inútil querer provar-lhes não ser verdade o que dizem.
- Mas - protestei - não é preciso que os mentirosos ... ?
- Não se trata de mentirosos - interrompeu satish. - Eu tinha como vizinho - continuou - um pobre môço que sofria de ataques de epilépticos. No inverno passado, dei-lhe um cobertor. Meu criado veio ter comigo furioso, declarando que a doença desse môço não passava de fingimento. Os estudantes que me denigrem parecem-se com o meu criado. Acreditam no que dizem. Talvez o destino me tenha dado um cobertor a mais, do qual êles se julgam mais merecedores.  
( TAGORE, Rabindranath. Çaturanga.trad.: Cecília Meireles. Col. Prêmios Nobel de literatura. Ed. Delta. Rio de Janeiro. 1962. p.:89-90.)

Viver em sociedade é um desafio desgastante, engustiante e muitas vezes causador de doenças. Adoecer não é difícil quando estamos rodeados de pessoas que nos tiram todo o prazer de viver. A vida se transforma em um inferno quando temos que nos fantasiar de outra coisa diversa daquilo que nossa alma revela para nossas existências. 
O mais comum é que, para nos proteger tenhamos que desempenhar papéis que nos desagradam e isso nos faz doentes e sem brilho. O convívio com círculos que negam a existencia iluminada da vida caba por nos sugar a luminosidade espiritual. 
Não podemos nos deixar seduzir pelas falsas promessas de prazeres fugazes e sem vida que o mundo se utiliza na tentativa de nos capturar para a sua escuridão da alma fria. Os que estão no escuro acreditam realmente que a existencia deve ser daquela forma. É difícil mostrar o mundo livre aos que vivem dentro da caverna.
Quando pessoas negativas tentarem te destruir, lembre-se de que dentro de seu ser vive a mais brilhante energia transformadora da vida. Sua razão de viver.

  Imagem: A fakir and his assistant- ( Um faquir e seu assistente), India, c. 1880. fotógrafo ingles do sec. XIX, Col. Stapleton, The Bridgeman Art Library.

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